O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que prorrogava a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia até 2027 foi recebido com surpresa pelas empresas. A avaliação é que, se o veto não for derrubado pelo Congresso e houver a reoneração da folha, os setores serão obrigados a demitir. As projeções da União Geral dos Trabalhadores (UGT), são de que os cortes podem atingir quase 1 milhão de trabalhadores – ou 10% dos cerca de 9,7 milhões de empregados hoje nesses setores.
O presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, diz que a entidade realizou um levantamento do impacto de uma possível reoneração da folha de pagamentos. “O impacto, imediato, é de uma perda de 20 mil empregos já no primeiro ano. Taxar a geração de empregos vai de encontro à desejada política de reindustrialização do País.” A avaliação no setor calçadista é que o impacto seria uma carga tributária extra de R$ 720 milhões por ano.
Adotada desde 2011, a desoneração da folha de pagamentos é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida reduz a carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas desses 17 setores, considerados os que mais empregam no País. O benefício, porém, perde a validade no fim deste ano, se Congresso não derrubar o veto presidencial.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, justificou o veto do presidente Lula à desoneração da folha de pagamento dizendo que a proposta era inconstitucional. O ministro afirmou que pretende, na volta da COP-28, apresentar novas medidas relacionadas ao tema para o presidente Lula e depois conversar com os municípios (que também eram beneficiados pelo projeto aprovado no Congresso) e setores impactados para resolver o problema. A ideia, segundo ele, é “pacificar a questão” no Congresso.
“Desde o começo fiz menção ao parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e da AGU sobre a inconstitucionalidade da proposta. Não recebi nenhum pedido de audiência para o explicar o porquê daquilo”, declarou, em entrevista na manhã desta sexta-feira.
O ministro afirmou que na aprovação da Reforma da Previdência constou um dispositivo que impedia a promulgação de mais incentivos fiscais para empresas, a fim de combater o déficit da previdência, seja do lado das receitas ou das despesas. “Além desse, há outro dispositivo constitucional que determina a revisão de todos os benefícios fiscais em oito anos.”
Para o presidente executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, porém, do ponto de vista legal, a desoneração é perfeitamente constitucional, pois se trata de extensão, e não da criação de um benefício fiscal. “Além disso, o veto ameaça milhares de empregos que foram mantidos ou gerados nestes setores, com alto uso de mão de obra, nos últimos anos. Diante destas circunstâncias, confiamos na sensibilidade do Congresso para derrubar o veto.”
A avaliação da consultoria LCA é que o veto tem uma chance “razoável” de ser derrubada pelo Congresso. Segundo a consultoria, o veto, se mantido, ajudará o governo no seu esforço para equilibrar as contas fiscais em 2024. “O tema, porém, é politicamente delicado, pois, a força política na Câmara e Senado pela manutenção desta medida é muito elevada e o Congresso também poderá ter votos suficientes para derrubar o veto e restituir o benefício às empresas”, destaca.
Risco de demissão
Questionado sobre o risco de demissões nas empresas com o fim da desoneração, o ministro Fernando Haddad rebateu dizendo que, quando a desoneração foi iniciada, as empresas falaram que contratariam mais pessoas. “Mas não contrataram.”
Um estudo feito por iniciativa dos setores desonerados, porém, mostra efeitos positivos da medida. Usando dados do Caged (que mede o número de empregos formais no País), o estudo mostra que, entre janeiro de 2018 e dezembro de 2022, os 17 setores desonerados contrataram mais de 1,2 milhão de trabalhadores, um crescimento de 15,5% no período, enquanto os 13 setores que perderam o benefício fiscal em 2018 contrataram pouco mais de 400 mil novos trabalhadores, o que equivale a apenas 6,8% de crescimento.
Representantes dos trabalhadores também demonstraram temor com o risco de demissões. Em nota conjunta assinada pela Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), os presidentes das três centrais afirmam que o veto coloca milhões de empregos em risco, estimula a precarização no mercado de trabalho e levará ao fim do ciclo, conduzido pelo Ministério do Trabalho, de redução do desemprego. “O resultado será perda de arrecadação, insegurança e empregos de menor qualidade.”
Miguel Torres (Força), Ricardo Patah (UGT) e Antonio Neto (CSB) dizem lamentar a decisão do governo federal e o fato de não terem sido procurados para debater o tema. Para eles, desonerar a folha de pagamento é uma questão de sensibilidade social. “A equipe econômica comete um equívoco ao jogar o ajuste fiscal no setor produtivo e no emprego formal, pois a conta será absorvida pelos trabalhadores seja com o desemprego ou com a informalidade”, assinalam.
Os dirigentes sindicais afirmam esperar que o Congresso Nacional restabeleça rapidamente a política para um ambiente de geração de emprego para os trabalhadores brasileiros neste fim de ano. As três centrais representam 25 milhões de trabalhadores.
Para Patah, que também é presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, o veto do presidente Lula “foi uma decepção muito grande, por conta da história do presidente junto aos trabalhadores e o compromisso com a inclusão”. O sindicalistas destaca que os danos serão elevados, porque esses setores, especialmente o de telemarketing, contratam muito jovens que estão no primeiro emprego, além de mulheres e a população LGBTQIa+.
Outro setor que teme a redução de postos de trabalho é da construção. Segundo Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a decisão do presidente Lula “implica diretamente na redução de postos de trabalho e vai na contramão da necessidade do país de geração de emprego”.
“Para a construção, uma das atividades que mais empregam no País, é essencial manter o processo de desoneração vigente desde 2011. A construção é intensiva de profissionais e deixar a tributação sobre a mão de obra limita as possibilidades de contratação e induz à perda de postos de trabalho”, diz Correia. “O setor produtivo precisa de segurança jurídica e previsibilidade para contribuir com a geração de emprego e renda e com a competitividade do País.”
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, diz acreditar que o Congresso vai derrubar o veto do presidente Lula. Ele afirma que há uma convergência entre empresas, centrais sindicais e deputados da oposição e da base do governo pela manutenção da desoneração. Caso o veto não caia, ele diz que podem ocorre cerca de 40 mil demissões no setor, o que representa 10% de toda a mão de obra empregada atualmente.
O executivo explica que o faturamento do setor caiu 7% no ano passado e este ano o cálculo é de que vai cair mais 10%, em grande parte por causa das altas taxas de juros. “Mesmo com faturamento menor não ocorreram demissões, ao contrário, contratamos um pouco. Mas, sem a desoneração, as empresas não terão como pagar 20% sobre a folha salarial.” Ele ressalta que o benefício se estende às exportações, que também serão prejudicadas.
“Entendo a preocupação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em buscar o equilíbrio fiscal e em melhorar as contas públicas, mas a desoneração, embora pareça ser uma renúncia fiscal, gera empregos e renda”, diz Velloso.
Estímulo à informalidade
Para Marco Stefanini, fundador e CEO do grupo Stefanini, que presta serviços de software, ao vetar a desoneração, o presidente Lula prejudica o setor de serviços duplamente, já que, na avaliação dele, o setor também foi o grande penalizado pela reforma tributária aprovada no Senado. “O setor de serviços e varejo é responsável por cerca de 85% da mão de obra no Brasil, e essas medidas impactam negativamente quem emprega mais no Brasil”, diz. “No fundo, vai acabar se incentivando a informalização e a não ter muito mais gente empregada pelo regime CLT no Brasil. Todo o esforço de formalização dos últimos governos não vai acontecer.”
Para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) “mesmo que para o setor automotivo a desoneração da folha de pagamento seja uma medida de baixo impacto, a entidade defende e apoia todas as medidas que combatam os elementos do Custo Brasil, que tanto prejudica o crescimento do nosso mercado interno, quanto a competitividade de nossas exportações”.
Da mesma forma, o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) reitera a posição de que o projeto que trata da desoneração da folha “é muito importante para a preservação e geração de empregos”. Agora, diante da decisão contrária do governo, a entidade espera que o Congresso Nacional derrube o veto.
Veja quais são os setores beneficiados com a desoneração da folha:
- Confecção e vestuário;
- Calçados;
- Construção civil;
- Call center;
- Comunicação;
- Empresas de construção e obras de infraestrutura;
- Couro;
- Fabricação de veículos e carroçarias;
- Máquinas e equipamentos;
- Proteína animal;
- Têxtil;
- TI (tecnologia da informação);
- TIC (tecnologia de comunicação);
- Projeto de circuitos integrados;
- Transporte metroferroviário de passageiros;
- Transporte rodoviário coletivo;
- Transporte rodoviário de cargas.