Na terça-feira (8), o Exército impôs sigilo ao processo sobre a participação do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em um ato político do presidente Jair Bolsonaro no dia 23 de maio – o militar foi absolvido.
Diante de pedidos de acesso da imprensa, com base na Lei de Acesso à Informação, o Exército se manifestou contrário à divulgação, dizendo que “a documentação solicitada é de acesso restrito aos agentes públicos” e “agiu de acordo com os preceitos legais vigentes”. A nota da instituição diz ainda que a LAI “prevê que o tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente, preservando a honra e a imagem das pessoas”.
Especialistas ouvidos em liberdade de expressão e direito da informação e privacidade explicam os procedimentos e limites do Estado na hora de ocultar dados e avaliam a conduta do Exército no caso do general Pazuello.
Que tipo de documento pode ter acesso negado?
Qualquer documento que não seja de interesse público e que tenha “informações de pessoa natural, conhecida ou desconhecida”, segundo a Lei de Acesso à Informação.
A lei impede a divulgação de informação que seja relacionada a “intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas”. Além disso, protege os documentos da publicação quando estão relacionados “às liberdades e garantias individuais”. Essas informações devem ter seu acesso restrito pelo prazo máximo de 100 anos, e seu sigilo independe de classificação por qualquer órgão público.
Documentos oficiais também podem ter acesso negado quando ganham status de sigilosos, secretos ou ultrassecretos a pedido de órgãos públicos. Porém, nesses casos, o limite máximo de tempo para restrição da informação é de 25 anos.
Podem ser denominados como documentos sigilosos, secretos ou ultrassecretos aqueles que, caso vazados, venham a causar dano ao interesse público. “São informações que, se vazadas, trazem perigo à saúde da população, à soberania nacional, ao desenvolvimento científico e a atividades de inteligência”, explica Júlia Rocha, assessora de acesso à informação e transparência da Artigo 19, entidade dedicada ao tema da liberdade de expressão e informação.
O interesse público se sobrepõe à privacidade de um indivíduo?
O advogado Danilo Doneda, especialista em direito digital e integrante do Conselho Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade, afirma que as informações pessoais que são protegidas pela lei não devem inviabilizar o acesso à informação de interesse público. “A privacidade é muito menos relevante do que saber algo importante para o momento político de um país.”
A publicação pode acontecer quando as informações pessoais forem necessárias “à proteção do interesse público e geral preponderante”. Além disso, a Lei de Acesso à Informação garante a divulgação das informações em caso de “cumprimento de ordem judicial” e “para defesa dos direitos humanos”.
Informações pessoais relacionadas à vida privada, honra e imagem da pessoa não poderão ser usadas “com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”, diz trecho da lei.
De que maneira um documento é colocado em sigilo?
Júlia Rocha diz que autoridades de órgãos públicos precisam preparar um termo explicando o motivo e o tempo pelo qual se pretende manter uma informação em sigilo e destaca que há informações que não podem ser omitidas, aquelas que são “imprescindíveis para tutela judicial e informações que digam respeito e tragam evidências de atentado contra direitos humanos”.
Dentro dessas condições, os órgãos públicos escolhem, portanto, os documentos que terão as informações restringidas.
Quem decide a classificação do sigilo?
Quem fica responsável pela classificação são agentes públicos definidos pela Lei de Acesso à Informação, que vão do presidente da República a titulares de autarquia, a depender do tipo de informação e do grau de sigilo que se pretende impor.
Pode haver recurso contra a classificação?
Danilo Doneda destaca, no entanto, que a decisão não é uma palavra final. “Pode haver o pedido por parte da Controladoria Geral da União (CGU) para criar uma comissão que avalie a motivação. E, muitas vezes, ela pode dizer que está errada a classificação, evitando que os órgãos classifiquem a informação como restrita”, comenta.
Desde quando existe o sigilo das informações no Brasil?
A pesquisa “Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX”, de 2002, da pesquisadora Priscila Ribeiro Antunes, aponta que “o primeiro instrumento legal a ter como objetivo principal proteger e classificar as informações julgadas pelo Estado brasileiro como sensíveis para sua segurança” foi o decreto 27. 583, de 1949, no contexto da Guerra Fria.
Desde quando há a obrigação de o Estado dar acesso às informações?
A Constituição de 1988 tentou disciplinar o assunto ao dizer que todos os atos do governo precisam ser públicos, a não ser que houvesse a necessidade de sigilo. “Mas não havia uma lei que explicasse o que era sigilo”, diz Danilo Doneda. “O que acontecia na prática é que quando o órgão não queria, ele não dava à informação e pronto”.
Em 2011, a Lei de Acesso à Informação regulamentou o que havia sido estabelecido pela Constituição e explicou o que deve ser público e o que carece de sigilo, deixando claro, inclusive, as condições para que as informações sejam negadas ao público. “Isto é muito importante, precisa ter uma justificativa para se negar acesso. E ela precisa ser boa, caso contrário, as pessoas podem contestar”, destaca Doneda.
Fonte: CNN Brasil
Por: Cleomar Alves / Cidade Agora News